domingo, 9 de agosto de 2015

Sermão de Dom Humberto no Dia dos Pais 2015

SERMÃO POR OCASIÃO DO DIAS DOS PAIS – CATEDRAL NACIONAL DA SANTÍSSIMA TRINDADE – PORTO ALEGRE RS – 9 DE AGOSTO DE 2015.

“Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo”. (Efésios 4:32).

1. Estimadas irmãs e irmãos em Cristo, que, como eu, não tem o seu pai, o quem cumpriu este importante papel, junto a vocês, mas sempre sentiremos suas presenças em nossas vidas! Enfim, mulheres que assumiram o papel de mãe e pai, e todos os homens que sem nunca terem sido chamados assim se tornaram referências na vida de outras pessoas. Graça e Paz a todos e todas vocês da parte de Deus, que Jesus também nos apresentou como Pai, da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo, através dem quem reconhecemos em Deus uma outra forma de paternidade, e do Santo Espírito, Grande Ensinador, que vocaciona e inspira todas as pessoas. 

2. Quero falar em perdão! No perdão com o qual Deus nos perdo-ou em Cristo, como o apóstolo Paulo escreve à comunidade de Éfeso! Sim, irmãs e irmãos, hoje é o Dia dos Pais em nossa sociedade brasileira, e entendo que seja, também por eles, necessário falar no perdão! No perdão que não é nosso, mesmo que dele podemos usufruir, mas que é Deus em Cristo! Uma paroquiana, no domingo retrassado, no meio do almoço de confraternização após a Celebração da Unidade Diocesana, me disse: “bispo, temos que falar em perdão em reconciliação”.  Quando li os textos propostos para este Domingo vi que o apelo estava ali, não mais através de uma pessoa, mas diretamente de Deus! E, ao que tudo indica, Deus, chamado por Jesus de “Pai” quer usar este dia dos Pais para isso! 

3. O uso do termo Pai para se referir a Deus, ou à relação entre o Senhor Jesus Cristo e Deus, não é tão comum quanto parece. O biblista Joaquim Jeremias,no livro “A Mensagem Central do Novo Testamento” faz um levantamento estatístico do uso do termo chegando a seguinte conclusão: “ao se classificar os textos de acordo com as cinco camadas (...) Marcos (3 vezes), Ditos comuns a Mateus e Lucas (4 vezes), ditos próprios de Lucas (4 vezes), ditos próprios de Mateus (31 vezes), João (100 vezes)” (JEREMIAS, 1977, p.26).  Mesmo se observando um crescimento significativo do uso no Evangelho segundo Mateus, a diferença com João é de mais de 300%! O que autor ve como uma necessidade progressiva. Mas por que? E aqui se peço licença para uma pequena viagem para os tempos do Império Romano, de forma de mostrar a vocês porque para tratar de “pai” precisamos tratar de “perdão”.

4. 0 Evangelho segundo Marcos, que menos usa o termo “Pai” para se referir à relação entre Deus e Jesus Cristo, foi o primeiro a ser escrito, logo após Nero (tido como “pai” do Império Romano), ter incendiado Roma e culpado cristãos (e judeus por tabela). Ocasião em que morreram os apóstolos Paulo e Pedro. Segundo afirmam Tiago França e Renata Venturini no trabalho apresentado na Jornada de Estudos Antigos e Medievais em 2011: “Em Roma chamava-se de Imperador a pessoa que obtivesse o poder supremo ou imperium (...) Ele concentrava em suas mãos o direito de ser chefe dos exércitos (...) A esses dois poderes tradicionais juntava-se auctoritas, poder moral de um tipo novo, que fazia do Imperador pater patriae, que o colocava acima de todas as instituições” (www.ppe.uem.br/jeam/anais/2011/pdf/comum/03026.pdf). Então, quando este Evangelho no capítulo 10, versículo 19, diz que os discípulos tinham deixado, “casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho” afirma, no versículo seguinte, que receberão cem vezes mais “casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no século futuro a vida eterna”. Isto é, não receberão “pai” de volta! Cem vezes tudo, zero pai! Porque obviamente “pai” era ligado à morte, ao abuso de poder! Neste contexto era difícil chamar Deus de “Pai”. 

5. A comunidade de Mateus também escreve após uma perseguição, que resultou na destruição definitiva do Templo de Jerusalém, levada adiante também pelo Império Romano, como represalia a uma revolta judaica. Mesmo tendo usado bem mais o termo “Pai” aparece ali uma interdito muito forte, no contexto da crítica ao fariseus e escribas, no capítulo 23, versículo 9, “E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus” (obviamente pela mesma razão do uso do termo pelo Imperador Romano) e o mesmo em relação ao uso do termo “mestre” por escribas e fariseus! (v.10). 

6. Por que, então, João teria dado este pulo quântico em relação ao Pai! Justamente por ser o Evangelho do Amor e do Perdão, porque é um Pai visto através do Filho amoroso e generoso, que viu o verdadeiro Pai de Amor: “Não que alguém visse ao Pai, a não ser aquele que é de Deus; este tem visto ao Pai”(João 6:46). Assim o Evangelho segundo João nos convida a deixar a figura de “pai” que mata, para abraçar o figura de “pai” que ressuscita: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:44). 

7. Não podemos viver sem pai, como não podemos viver sem mãe! Quase 70 anos depois de Jesus ter morrido e ressuscitado, depois de três perseguições dos imperadores “pais da pátria” romanos contra as pessoas cristãs, vivendo um momento de tensão interna e divisão, é que a comunidade joanina resolve que está na hora de resgatar a figura do pai! Do reencontro com Deus como Pai em Cristo, do perdão, do amor, da fraternidade e sororalidade! Foi superado o esquecimento do “pai” em Marcos e a restrição ao “pai” de Mateus. A comunidade joanina tinha percebido que não haveria uma unidade sem a transformação dessa figura de “pai”. Não era mais aceitável a perda do pai, nem a proibição do pai, precisava também o amor e o perdão do Pai. Acho que pode ter sido de Lucas o primeiro passo quando inclui no evangelho a parábola do “filho pródigo” ou dos dois filhos e o pai amoroso que acolhe e perdoa (Lucas 15:19-32). 

8. No texto do Evangelho as pessoas estranham que Jesus falasse assim, pois eles conheciam sua família biológica: “Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu?”(João 6:42). Esta estranheza já tinha citada antes quando Jesus tentou fazer milagres em sua terra natal (cf. Mc 6:3; Mt 13:55; Lc 4:22). Mas agora, com o resgate do Pai Amoroso e Misericordioso ela tem outro significado. Deus nos convida a ter um Pai comum, um Pai capaz de tornar todos nós irmãs e irmãos. Um Pai não excludente, mas inclusivo, não violento, mas acolhedor, não distante, mas capaz de morar em nosso interior, não sozinho, mas através daquele que se entrega totalmente em nosso favor, Cristo. 
9. Acho que agora que não temos problemas em chamar Deus de Mãe podemos também resgatar o Pai, não apenas o Pai como figura de Deus, mas o Pai que está em nós, como está em Cristo, que se revela em nós, como em Cristo! Este Pai que não propriedade exclusiva de homens, pois assim como o homens tem màes, as mulheres tem pais!  Um Pai que é modelo da vocação de quem quer exercer a parternidade seja esta pessoa homem ou mulher, de forma biológica ou não, em parceria com outra pessoa ou sozinha! 

10. Amigas e amigos, filhas e filhas, se temos nossos pais ainda entre nós, se somos crianças esperando pela parceria e orientação destes homens ou até destas mulheres que exercem a paternidade, peçamos que Deus em Cristo, lhes invada e contamine de tal forma que sejam instrumentos do amor de Deus e deixem este amor gravado para sempre em nossas vidas! Perdoemos para sermos perdoadas e perdoados, porque é assim que Deus nos ama! Vivamos o amor paternal e maternal através da alegria e libertação do perdão! 

11. Amigas e amigos, pais biológicos, pessoas vocacionadas à paternidade das mais diferentes formas, deixemos Deus ser Pai através de nós. Sabemos quanto precisamos de perdão, então, comecemos nos perdoando, porque se Deus já nos perdoou quem somos nós para não nos perdoar! Mas, aproveitemos este perdão como filhos e filhas resgatados e resgatadas pelo abraço do Pai, para abraçar mais as pessoas que são parceiras em nossa vocação paternal, e nossas filhas e filhos, sentido a alegria e o calor de não estarmos sós! 

12. Abracemos o perdão pedagógico de Deus, que não ensina nosssa pequenez e nossa revela Sua Grandeza, vivendo em nós, sendo abrigo, refúgio, estéio, sinal! Somente porque Deus pode e quer fazer isso através de nós, porque precisamos de pais, tanto quanto mães, para sermos irmãs e irmãos de companheiros e companheiras, filhas e filhos e toda a maravilhosa criação. 

13. Por causa do perdão com que Deus nos perdoou em Crito, não mais estamos sós, não precisamos estar sós, no perdão podemos ver a plena divindade ao nosso redor, vejamos, também através do perdão, a plena divindade em nosso interior, vamos nos descobrir hoje e cada dia mais irmãs e mais irmãos, um dos outros, umas das outras,  e Feliz Dia dos Pais para todos e todas nós! Amém.