“E não vos conformeis com este mundo,
mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento,
para que experimenteis qual seja a boa, agradável,
perfeita vontade de Deus”, Romanos 12,2
Uma das possíveis – entre outras – conotações da Quaresma é a de que ela representa o retiro de Jesus no deserto antes de seu ministério público ser iniciado. Foi um período de enfrentamento das tentações e – garante-nos o depoimento dos evangelhos – que ele venceu cada uma com serenidade calcada na vontade de Deus.
Para nós cristãos em pleno século 21, é desafiador viver o retiro espiritual no meio dos enfrentamentos dos modernos demônios que estão sempre a nos desafiar em nossa fé e compromisso com o Reino de Deus. Vivemos tempos em que o discernimento espiritual nosso é turvado a cada instante pelos apelos de uma sociedade consumista, individualista e que premia apenas aqueles que se submetem às suas sutis sugestões.
Identificar-se com Cristo em suas tentações é ter a coragem de dizer não, firme e rotundo contra a banalização da vida. É não ter medo de fugir do efeito manada que leva tantas pessoas a perder a capacidade de enxergar alternativas à lógica diletante do sistema no qual estamos inseridos. Significa também a busca da transformação e renovação do entendimento.
Viver a Quaresma é reagir à uma espiritualidade de mercado, onde Deus se torna um bem a ser possuído em função de nossas conveniências de ocasião. A Quaresma, considerada como tempo de reflexão e reconhecimento de nossa natureza mais profunda, nos impele a buscar a comunhão mais profunda com o fundamento de nosso ser.
Quando somos capazes de viver o deserto, estamos aptos a identificar nossos limites e nossas sombras, ressignificando a vida e nos tornando mais inteiros, íntegros e sensíveis. E, ao fazermos isto, não estamos sozinhos. Cristo venceu o deserto e ali estará para fazer companhia quando os medos chegarem ao nosso coração. Seremos capazes de escutar suas palavras: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”, João 16,33.
A Quaresma nos leva ainda além. Nos leva a depender cada vez mais de Deus e retira de nós qualquer autossuficiência. É nesse momento que nossas tentações são vencidas porque somos capazes de entender suas armadilhas argumentativas. Tornamos reais em nossa vida as palavras de Paulo: “Porque quando estou fraco então sou forte”, 2 Coríntios 12,10.
Nossos olhos, a partir de nossa fraqueza, se abrirão para a compaixão pelo mundo, pelos fracos, pelos excluídos, pelos que sofrem, dando-nos a coragem necessária do testemunho de justiça e paz! Quando percebermos a solidez de nosso fundamento divino, pelo retiro e pela oração, seremos impulsionados a anunciar com alegria as Boas Novas!
++ Francisco de Assis da Silva
Primaz do Brasil da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
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